21 setembro 2016

Ingratidão na caridade

Véia surda
Numa quarta-feira de manhã chega uma senhora no portão de minha casa, muito mal vestida e com um aspecto que causava lamento de sua condição humana. Usava uma jaqueta velha e uma mochila também velha, era uma mochila infantil, pequena. Tudo nela parecia tão velha quanto ela!
Com uma plancheta, uma folha e uma caneta nas mãos ela abre um sorriso horripilante, o qual tive que retribuir pela educação que recebi (talvez tenham me ensinado a ser hipócrita). Olhei naqueles olhos cansados e perguntei a razão de sua visita. Ela me estendeu a folha que falava sobre doação para uma instituição que ajudava os surdos e os mudos, talvez para mais alguns tipos de pessoas que possuem algum outro tipo de carência. Só vi que os tipos de doações que poderiam ser feitos era de 3, 5, 10, 15, 30, 50 reais. Não sei se era realmente esses os valores, mas sei que o mínimo era de 3 reais. Peguei os 2 reais que eu tinha de troco e não encontrei nenhuma moeda. Me senti mobilizado pela oportunidade de se fazer uma boa ação com uma doação, assinando meu nome no papel, a data em que eu estava realizando a doação e o valor doado. Ao entregar o dinheiro junto da folha, caneta e prancheta ela pega a folha e o dinheiro e aponta para onde está escrito o valor de doação mínima. Eu disse a ela que entendia e que aquela era minha doação. Ela falou com uma voz fanhosa, como se tivesse uma bola de tênis na boca "tã inscrito, vê?" e eu fiquei olhando ela com uma cara bem cético. Disse então que se não atendia a doação, que me devolvesse o dinheiro! Ela enfiou o dinheiro no bolso da jaqueta, falou algo que deu para entender como "chefe" e aguardou eu dar o um real faltante para completar os 3 pilas. Eu olhei incrédulo e fiz um sinal de "fazer o quê!". Pelo pouco que sei de libras ela fez um sinal me dizendo que eu era bonito e mais alguma coisa que não sei o que era, virou as costas e se foi.

Então fiquei pensando: Será que existe a possibilidade dessas instituições sem fins lucrativos obrigar os coitados que tem deficiência auditiva a pedir dinheiro nas casas?
Será que aquela senhora estava se fingindo de surda para conseguir dinheiro? Pois eu estava sendo, eu acho, o décimo doador, sendo que os anteriores a mim doaram 3 reais cada um deles. Só nesse período da manhã ela deve ter conseguido uns 29 pilas comigo! Será que é uma farsa?
Será que ela achou que eu tava tirando com a cara dela? Pois eu achei que ela estava tirando com a minha!

2 comentários:

  1. Já passei por situações parecidíssimas. Hehehehe. A magia do cotidiano!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. HAHAHA pra mim foi inédito a situação. O cotidiano está repleto de magia para quem tem sensibilidade para senti-la, independe de qual percepção use para isso.

      Excluir

Enforque-se na corda da liberdade (Antônio Abujamra)