28 maio 2016

Livro aberto

Que tipo de pessoa você é? 
Sou um livro aberto, que dispõem de um longo texto que é escrito e reescrito e mostra borrões ao longo do que é escrito. Não há muitas pessoas interessadas em ler um livro, ainda mais se este livro for do tipo reflexivo abstrato que lança metáforas para tentar explicar de modo mais simples aquilo o que pensa, o que é. Mas muitos leitores não entendem as metáforas e acha que o problema está no livro, pois foi escrito com palavras complicadas e frases que só tem sentido para o próprio livro. Em suma, o problema está no livro, pois não foi escrito para a maioria dos leitores que o têm acesso. De qualquer modo, o escritor deste livro não acredita que há problema no livro, mas o problema é nesta relação leitor - livro. O livro não foi feito para aquele leitor e nem aquele leitor foi feito para este livro. Apesar dessa relação opositória tensa ser igual para ambos, os dois tem um modo particular de lidar com tal tensão. O leitor cansado do livro, larga-o em qualquer canto. Quando mais gentil, opta por organizar e coloca ele em algum lugar junto de outros livros, em um lugar que o fará ser esquecido, assim como já é estes muitos outros livros que o farão companhia. Em outros casos, ainda um leitor gentil, dá de presente para algum outro amigo leitor dizendo que aquele livro é indicado para ele. Quando seu amigo leitor pergunta o porque ele não sabe responder, mas diz que tem a cara de seu amigo, ficando a critério de seu amigo interpretar isso, posteriormente, como um elogio ou um insulto. Em outras circunstancias este leitor jogará o livro no lixo, talvez o queimará, talvez o deixe para seus filhos pequenos brincarem com ele até que o rasgue. Há alguns outros que prefere doar para uma livraria, vender, enfim, dar outro fim.
Mas, ao livro, o que lhe cabe fazer? Apenas aguardar ansiosamente o fim que receberá. Não o que se possa fazer, nem súplica a dizer, nem se opor ao fim escolhido. Ficará a espera de alguém para compartilhar sua história, suas glórias, suas tragédias, viver através de alguém. A alegria se faz em vida, ainda mais quando passa a ser a própria vida, pois deixa de ser objeto para ser imaginação, ação. Transforma-se em alguém, deixando de ser algo. É possível que encontremos Sofia ou mesmo Alberto passeando pelo nosso mundo, talvez os dois juntos, passeando de mãos dadas, procurando um meio de existir. É tão possível quanto impossível, pois é e não é.
De qualquer modo, sou um livro aberto e também sou um leitor assíduo. Leio através de meus olhos, ouvidos, narinas, sensorialidades de meus toques em contato com aquilo que leio, leio através de minhas percepções. Depois, depois de perceber aquilo que leio, ou que julgo ler, interpreto, raciocino, mentalizo, crio, faço existir uma nova história através daquilo que percebo. Então, quando alguém me pergunta sobre aquilo que li, dou uma resposta que condiz aquilo que eu criei. Se esta resposta for satisfatória com a criação daquele que me pergunta, então haverá concordância. Do contrário, discussão. Em ambos os casos haverá uma alteração, assim a criação será outra nova, deixando de ser o que era.

Ora sou livro, ora sou leitor, ora sou lido, ora escritor. Sou e não sou, deixo de ser, às vezes não sendo nada e assim confunde-se com o tudo. Se pedes para explicar-me é o mesmo que dizer ao mágico para lhe revelar o segredo de sua magia. É muito melhor descobrir por conta própria, pelas próprias pernas, pela própria dor. Quer que mastiguem sua própria comida? Por acaso seus dentes já se fazem ausentes? Não seja tolo a deixar que descubram a vida por você, quando dispõem de um par de olhos e ouvidos.

Sou um livro aberto, um escritor, um cidadão. Passo a ser qualquer outra coisa a depender de seu julgamento. Uma fralde, um mentiroso, um transgressor. Não há chaves e nem dicionário adequado para se interpretar tal escrito, mas há os leitores adequados para entender o que aqui está escrito. A mensagem nunca é igual, por mais que o texto seja o mesmo. O leitor do mesmo modo também não o é, assim como o livro que leu sempre será único enquanto continuar a lê-lo.

É fácil entender? É fácil ser você?

Que tipo de pessoa você é?

Um comentário:

Enforque-se na corda da liberdade (Antônio Abujamra)